Apresentamos hoje na Coluna ADAP um texto de Patrícia Rodrigues Witt, terapeuta ocupacional, natural de Porto Alegre/RS, e escritora do livro e Blog Surdez Silêncio em Voo de Borboleta. Patrícia tem surdez profunda pré-lingual, mas sua família optou por não submetê-la a cirurgia do Implante Coclear (IC) na infância. Utilizando Aparelhos Auditivos, a profissional conseguiu ser oralizada e, posteriormente, aprendeu a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), se tornando fluente também nesse idioma. Com o tempo, e observando as experiências dos usuários de IC, Patrícia tomou a decisão de ser implantada, e agora aguarda os trâmites do plano de saúde para conseguir o seu desejado implante. Confira a seguir o relato de Patrícia e sua busca por ouvir cada vez mais.
“A memória auditiva me encanta
Quando eu era bebê, fui diagnosticada com deficiência auditiva profunda. As primeiras palavras que um otorrinolaringologista mais conceituado do país disse para minha mãe foram: “Sua filha tem perda auditiva bilateral profunda devido à rubéola gestacional... Nós gostaríamos que Patrícia fosse umas das primeiras candidatas ao Implante Coclear no Brasil”.
Mas a resposta de minha mãe foi “não”, porque o projeto no país naquela época ainda estava engatinhando. Mesmo que apresentando resultados positivos, o medo tomava conta na maioria das mães e pais, por nós sermos bebês e a cirurgia ser um pouco mais invasiva na época.
Durante os últimos anos, venho aprofundando os estudos e pesquisas sobre o Implante Coclear e participando nos encontros com os implantados e fazendo novas amizades! O IC vem evoluindo significativamente na última década. E digo, cada vez mais vejo a maravilha que essa tecnologia proporciona, vejo claramente que ela traz mudanças internas e psicológicas, apesar de que o recomendado é que não se deve criar muita expectativa antes de fazer a cirurgia.
No início, tudo parece tão difícil, pois não conhecemos o mundo dos sons (mesmo para aqueles que utilizavam os aparelhos auditivos, vejo muitos relatos que o som recebido através do IC é completamente diferente dos AASI: “É uma experiência totalmente diferente, pois o IC transmite os sons para a área auditiva do cérebro através dos nervos auditivos, substituindo então a função da cóclea, e eles não tem nada de parecido com o AASI, o IC é mil vezes melhor!”, rs). E outros relatos como “Com o tempo de uso do IC, verás uma luz no fim do túnel”... Lindo, não?!
Com essa experiência vivida de perto com os implantados, mudei meu pensamento em relação ao IC, pois eu era contra... Em um dos eventos que fui, observei que uma implantada tirou o cabo que conectava a antena e no seu lugar colocou o fone de ouvido comum, emprestando o aparelho para as pessoas ouvintes que estavam por perto. Vi os olhos arregalados e eles dizendo: “Que maravilha de som, é espetacular!”. O que mais me chamou atenção foi que uma delas disse que os sons pareciam ser recebidos por “osmose”, ou seja, não precisa fazer tanto esforço, como fazemos com os AASI, para compreender as pessoas ao redor, quando tem ruídos no ambiente!
Então, a partir dessa palavra, foi o que me levou a ter a certeza! Era isso que eu precisava, algo que viesse por “osmose”, pois estou constantemente me esforçando para escutar “algo” com os aparelhos auditivos (eles têm me ajudado muito desde então, mesmo dependendo 100% da leitura labial para comunicação). Mas, no meio do caminho, me perguntei: tenho memória auditiva? Já que a minha surdez é congênita?
Na primeira consulta com o otorrinolaringologista para iniciar o processo do IC, perguntei sobre a minha memória auditiva, ele arregalou os olhos e me olhou fixamente: Claro que você tem memória auditiva! Você tem uma boa fala e, além disso, faz uma boa leitura labial!
Bom, olhei para trás nos anos que tenho utilizado os AASI, trocando-os sempre a cada 4 ou 5 anos, dependendo da minha necessidade, e cada par deles que trocava percebia novos sons, mesmo que fosse pequeno! Mas este último par de AASI, sendo o mais potente do mercado, foi um “UP” na minha vida, passei a entender algumas palavras aleatórias de vez em quando (sem leitura labial) e minha memória auditiva está reconhecendo quando elas são repetidas, principalmente com pessoas que tenho maior convivência.
E bati o martelo, vou fazer o Implante Coclear! Tenho a maior fé e esperança que já tive em minha vida. Claro que precisarei ter muita paciência, pois irei recomeçar com os novos sons e recriar a minha linda memória auditiva! O meu sonho é conseguir o Nucleus 6 da Cochlear, estou a espera dele há um ano, e ainda não consegui... Dizem que é uma “Ferrari”! Uau! Terei orgulho de ser uma cyborg! ;)
Por Patrícia Rodrigues Witt”.
Adap © 2023 - Todos os direitos reservados