Neste mês, a Coluna ADAP retorna com a história da terapeuta ocupacional e escritora Patrícia Rodrigues Witt (autora do livro e blog Surdez – Silêncio em Voo de Borboleta). Ela já havia participado anteriormente de nossa coluna contando a sua história como pessoa com surdez pré-lingual e também falando a respeito de suas expectativas ao decidir pelo Implante Coclear na idade adulta. Agora, Patrícia escreveu um novo relato sobre a ativação de seu IC e de suas primeiras impressões auditivas. Venha conferir abaixo!
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“No dia da ativação, emocionalmente foi muito difícil para mim. Pior que eu já havia esperado e imaginado aquilo que pessoas, amigos e fonoaudiólogas me alertaram sobre o “desconforto” sonoro que é muito comum na ativação. Eu pensava que iria ouvir diversos sons confusos e embaralhados, mas que pelo menos ouviria as vozes das pessoas que estavam na sala e me sentiria como se estivesse no Japão, não me importando se iria entendê-las ou não...
Mas não, foi pior que isso, somente escutava uns “apitos” ou “assobios” que oscilavam. Imaginem uma onda sonora única que sobe e desce... Parecia que eu estava escutando as vozes do além ou de extraterrestres, como se eu estivesse em outro planeta! Que susto hein?! E não ouvi nada de sons do ambiente, vozes e palavras...
Primeiramente, a fonoaudióloga Stefanie Kuhn me deu um papel com as palavras escritas: MUITO BAIXO, BAIXO, MÉDIO, ALTO E MUITO ALTO. Pegando aquilo em mãos, pensei num milésimo de segundo: “Será que vou ouvir alguma coisa?” Ela me explicou que eu deveria apontar qual a intensidade do som que estava ouvindo. Até aí tudo bem, mas logo começou alguma coisa esquisita entrando no meu ouvido, e me assustei com agudos tão altos! Levei um tempo (talvez uns 10 ou 15min) para identificar que aquelas eram ondas sonoras estranhas e mais nada.
Como tenho surdez profunda e bilateral, nunca escutei os sons mais próximos do ouvido humano, e também sempre fui hipersensível aos sons, mesmo com os AASI (Aparelhos de Amplificação Sonora Individual). Por esta razão, a Fga. Stefanie apenas ativou os eletrodos com volume bem baixinho, quase desligando, para eu ir acostumando.
Mais tarde, quando cheguei em casa, ainda sentia um desconforto auditivo. Parece que estes “picos” mais altos dessa onda sonora são frequências altas (sons agudos) que meu cérebro não reconhece, pois nunca ouvi. No dia seguinte, comecei a fazer umas “batidinhas” em vários objetos pela casa: desde copos em diferentes tipos de materiais (percebi que copo de plástico provoca uma frequência mais alta que as canecas, acho eu, rsrs) e até o armário do meu quarto... Agora mergulhei no mundo da investigação, rsrs.
Depois, resolvi ler em voz alta metade do capítulo de um livro que eu estava lendo. Escutei a minha própria voz, mas ainda ela não traz nenhum significado, são sempre sinais de onda. Eu escuto melhor com os aparelhos auditivos que utilizo no lado esquerdo, mas todos dizem que é assim mesmo, precisamos de persistência e paciência!
Mais tarde, ao tentar tirar uma soneca com o meu gato depois do almoço (gato de bichinho mesmo, vou deixar o marido para depois, quem sabe, rsrs) fiquei com o implante ligado. Podem me chamar de louca, mas quero me acostumar com esses sons “esquisitos e assustadores” de uma vez. Para algumas coisas eu tenho pressa, pois um minuto ou um segundo é muito precioso para ensinar uma nova vida sonora ao meu cérebro. Sentia como se tivesse nascido há 24 horas. A minha área auditiva está construindo um decodificador moderno, mas não sabe por onde começar...
Não consegui dormir, comecei a brincar comigo mesma emitindo sons da minha fala: A E I O U – PAPÁ – CACA – TATA e outras sílabas. Lá pelas tantas, me lembrei de que o meu sonho era ouvir o som do “S”, então comecei a emiti-lo e ouvi, baixinho! Mais engraçado ainda é que o meu cérebro não o identifica como tal, mas como eu aprendi a falar, estou tentando ensiná-lo que esse é o som de “S”. É quase inexplicável esses detalhes que eu venho percebendo, mas aos poucos vou conseguindo! Por favor, tenham paciência comigo...
Algumas pessoas já me falaram, após meses utilizando o Implante Coclear: “Eu pensava que eu escutava com os AASI!”. Espero que isso aconteça comigo também. Perceber e identificar alguns sons, para mim, já é um grande passo, e eu sei muito bem que o resto só depende de mim!
Espero que, daqui alguns meses, eu leia este primeiro relato sobre a ativação e isto seja um motivo para sorrir ou rir de mim mesma, que eu esteja ouvindo e entendendo bem mais. E claro que irei seguir todos os passos de estímulos auditivos! Então, bora trabalhar muuuito! Milagre é quando a gente trabalha muito para chegar na meta, então, XÔ PREGUIÇA, PELO AMOR DE DEUS, rsrs.
OBS: Eu sei que a ativação é muito difícil para todos, muitas vezes nos assustamos além da conta e não entendemos nada no início. Tudo isso é super normal... Algumas vezes, esquecemos essa possibilidade e não percebemos a importância dos estímulos auditivos diários, mas são eles que abrem muitas portas da vida sonora!
Por Patrícia Rodrigues Witt”.
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