Mães e pais de crianças com deficiência também precisam de cuidados, acolhimento e compreensão. Foi baseado nessa premissa que surgiu o projeto Mater & Pater Plus, com seu site, páginas em redes sociais (Facebook, Instagram, Youtube) e curso on-line mantidos por Carolina (Kerol) e Fábio Kreusch, que também são pais de uma criança com deficiência e quiseram compartilhar suas experiências e seu processo de transformação da maternidade/paternidade atípicas sob o prisma do amor e do otimismo.
A ADAP bateu um papo com o casal do Mater & Pater Plus e o resultado foi uma emocionante entrevista que pode ser conferida logo abaixo!
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ADAP: Carolina e Fábio, para começo da conversa, vocês poderiam nos contar sobre como começaram seus envolvimentos com a temática da deficiência?
KEROL: Antes de conhecer o Fabio, eu já havia tido um pouco de contato com a temática das deficiências. Quando criança, lembro de minha mãe trabalhar como voluntária no Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, para deficientes visuais. Naquela época, me impressionou o quanto minha mãe ajudou uma moça de lá a terminar o ensino superior. Depois, na adolescência, convivi no colégio com colegas que tinham limitações físicas e, mais tarde, vi minha irmã mais velha ingressar na faculdade de Terapia Ocupacional. Mesmo assim, este era um mundo ainda um pouco distante para mim, pois meu foco profissional não era este, eram os idiomas (sou tradutora de formação). Com o nascimento do nosso filho Paulo, tudo mudou.
FABIO: Minha “estreia” no mundo das pessoas com deficiência ocorreu durante a adolescência. Eu tinha 14/15 anos quando comecei a notar dificuldade em caminhar, correr, saltar, como fazia antes. Daí até receber o diagnóstico como portador de Charcot-Marie-Tooth, Tipo I, foram sete anos de consultas e exames. Embora eu tenha deficiência física, meu envolvimento com este tema realmente começou com o nascimento do Paulo em 2014. Até então eu fugia do assunto e disfarçava minha deficiência usando botas de escalada que me davam sustentação aos pés.
ADAP: De que maneira o nascimento do primeiro filho de vocês impactou nas suas concepções de deficiência e de maternidade/paternidade? Como a rotina de vocês mudou a partir daí?
KEROL: O nascimento do Paulo, em si, não fez cair a ficha de que eu estava, naquele momento, mergulhando de cabeça no mundo das deficiências. Tudo o que eu sabia era que ele havia sofrido uma grave anóxia no parto, tendo ficado cinco minutos sem oxigênio, e que seu Apgar ao nascer tinha sido 1. No entanto, eu não entendia as possíveis consequências de tudo isso (inclusive na nossa rotina, com a necessidade de terapias). Passados cinco anos desde o nascimento dele, hoje vejo o presente que a Vida nos deu, ao nos fazer passar por tudo isso. Foi doloroso? Sim, inclusive fisicamente, pois eu também sofri muito no parto. Mas acho que “dor” e “amor” rimam por um motivo: é possível transformar qualquer dor em um presente quando há amor.
FABIO: O nascimento do nosso primeiro filho e a sua paralisia cerebral, causada por anóxia durante o parto, mostraram-me uma característica sobre a pessoa com deficiência que eu não fazia ideia, apesar de eu mesmo ser deficiente. A deficiência, seja física, visual, auditiva, intelectual, etc., não muda em nada o quanto a pessoa pode ser amada. Parece bobagem, né? Mas antes eu achava que tinha que parecer “normal” para ser aceito e amado pelos outros. Quando o Paulo nasceu e eu percebi o amor completamente incondicional que sinto por ele, que a Carolina sente por ele, que nossos pais e irmãos sentem por ele, entendi que a deficiência não é capaz de definir uma pessoa. Sim, ela traz limitações e condições que nos tornam diferentes da maioria das pessoas, mas isso significa apenas que nosso desenvolvimento vai ocorrer por um caminho diferente do habitual, do ordinário.
Eu sempre gostei de crianças e sempre quis ter muitos filhos. O nascimento do Paulo mostrou que a paternidade é muito mais edificante e exigente do que eu imaginava, hehehe. Nossa rotina mudou completamente: já no primeiro mês de nascido dele, com as visitas diárias à UTI Neonatal, percebi que nada mais na nossa vida e na nossa rotina seriam como antes. O primeiro sinal das mudanças foi que dormir se tornou artigo de luxo, kkkkkkk.
ADAP: Vocês tiveram outras duas crianças depois do primeiro filho, certo? Quais são os principais desafios de uma maternidade/paternidade atípica, comparada com as maternidades/paternidades típicas? E como é lidar com ambas ao mesmo tempo?
KEROL: Esta é a pergunta de um milhão de dólares, hehe! É realmente um desafio viver, ao mesmo tempo, a maternidade atípica e típica. E é maravilhoso, simplesmente maravilhoso. Teria mil histórias para contar sobre isso. Digo sempre que tenho “três primeiros filhos”, pois cada um deles realmente parece ser a minha primeira experiência como mãe. Paulo (5 anos) me traz todos os ensinamentos e presentes da maternidade atípica. Matheus (3 anos) traz, todos os dias, as surpresas que eu ainda não havia vivido como mãe, desde aprender a andar sem precisar de fisioterapia até conversar verbalmente de maneira bastante ágil, fazendo rimas e aprendendo inglês. Amanda (1 ano) me mostra a inteligência e a delicadeza por ter uma menina.
Todos os dias agradeço por ter vencido meu medo de enfrentar um parto novamente. Nós queríamos ter mais filhos, mas o medo de um novo parto sofrido me apavorava – lembro-me de estar com o corpo literalmente tremendo de medo minutos antes de o Matheus nascer. E foi justamente o nascimento dele que me trouxe coragem não só de ser mãe novamente, mas para tudo na vida. Sinto que, se fui capaz de enfrentar um novo parto, agora tenho mais coragem para outros desafios também.
Eu sempre falo para cada um dos três que, ao nascer, eles trouxeram presentes para minha vida. Na vez do Matheus, digo que ele me trouxe CORAGEM, por causa de tudo o que expliquei acima. Um dia, eu perguntei a ele: “Matheus, o que foi mesmo que você trouxe para minha vida?”. Ele fez uma cara pensativa, de quem não lembrava direito, e respondeu: “Coruja!”.
FABIO: A paternidade atípica demanda mais disponibilidade de tempo que a paternidade típica, pois envolve uma série de compromissos médicos e terapêuticos a mais. Além disso, requer mais estofo emocional (quem já enfrentou sucessivas crises convulsivas de um filho sabe muito bem do que estou falando). Fora isso, sinto que a paternidade típica e a atípica se assemelham em tudo: é preciso estudar e aprender (muito!!!) sobre desenvolvimento infantil, é preciso dedicar tempo às crianças para brincar, estimular e conhecer as preferências, potencialidades e limitações dos seus filhos; é preciso se desconstruir e reconstruir como pessoa (com mais frequência do que eu imaginava!) para poder auxiliá-los e guiá-los pelo caminho do autodesenvolvimento.
ADAP: A partir de que momento vocês decidiram criar o site Mater & Pater Plus e o curso Voe para o Plus? Qual é a origem desses nomes? E como foi a recepção inicial do público?
KEROL: Na Internet, tudo começou com o então blog Mater Plus, pois eu tratava apenas de maternidade. Coloquei o blog no ar nas vésperas do nascimento do nosso segundo filho, Matheus, pois eu pensei: “se eu não fizer isso agora, depois não farei mais”. Eu hesitei muitíssimo em ir para a Internet fazer este trabalho. Ao mesmo tempo, sentia uma inquietação muito grande de ajudar outras pessoas que passam por situações semelhantes.
Eu vivi, como mãe, coisas muito intensas e dolorosas (internamento do Paulo, descoberta da lesão em seu cérebro, etc). Em tudo o que me acontecia, eu pensava: “e as outras mães que também passam por isso, como estarão?”. Lembro-me de quando vi a primeira crise convulsiva do Paulo, que durou uns 15 minutos. Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Até então, eu nunca havia visto. Fiquei apavorada e chorei desesperadamente depois da convulsão. Ao mesmo tempo, me perguntava: “como as outras mães lidam com isso?”. Hoje em dia, cada desafio que vivemos já me impele em pensar em soluções que sirvam não somente para nós, mas para quem nos acompanha.
Para encontrar essas soluções, temos estudado e nos capacitado. E assim, após alguns anos, nasceu o nosso próprio curso, Voe para o Plus. O nome veio porque acreditamos que ter uma criança especial é como ganhar asas. No começo, a novidade pode causar estranheza. A pessoa, então, pode escolher entre lamentar-se pelo peso das asas ou... aprender a voar! Nosso convite para mães e pais atípicos é para virem com a gente aprender a voar alto na vida, com uma visão mais elevada do que é a mater/paternidade, tanto atípica quanto típica. No ebook gratuito que disponibilizamos no nosso site, mostramos como começar a trilhar este caminho que leva a um PLUS na vida.
Estreamos o curso em janeiro de 2019 e, no momento, estamos em nossa segunda turma. Inicialmente, pensávamos que mães e pais de bebês novinhos seriam os maiores interessados, mas já na primeira turma tivemos pais atípicos mais experientes, com filhos maiores. Aliás, a primeira pessoa a se inscrever na nossa primeira turma foi justamente um pai cuja filha tem 21 anos. Nunca é tarde para aprendermos a ser melhores.
FABIO: A iniciativa de compartilhar as experiências e superações da maternidade atípica foi da Kerol, que colocou no ar o então Mater Plus em setembro de 2015. Eu acabei contagiado pela paixão dela e, com isso, nasceu o Mater & Pater Plus.
Nós vemos a paternidade e a maternidade como uma das melhores coisas que podem ocorrer na vida de um casal, os filhos são a personificação do amor mútuo entre marido e esposa. Entendemos que os filhos são sempre motivação para qualquer coisa na nossa vida, nunca obstáculo. Acredito que é o nosso mindset que nos faz ver a paternidade/maternidade atípica com otimismo.
Para nós, um filho com desenvolvimento atípico traz algo mais à paternidade, traz um verdadeiro PLUS. Daí vem o nome Mater & Pater Plus. As palavras Mater e Pater significam “mãe” e “pai” em latim, respectivamente. Como a formação da Carolina é em Tradução e Relações Internacionais, ela quis usar palavras que fossem fáceis de entender e pronunciar em mais de um idioma.
O Programa Online Voe para o Plus nasceu para encorajar os pais e mães que se lamentam ou estão atônitos com a descoberta da condição dos filhos a verem essa situação com otimismo e alegria. Isso mesmo: ALEGRIA. Até postamos recentemente algo que sintetiza essa nossa ideia: “Perdeu o chão? Então aprenda a voar!”.
Ficamos muito felizes com a aceitação inicial do público, tanto que este mês abrimos a segunda turma e estamos planejando as próximas.
ADAP: Vocês têm contato com mães e pais de crianças com variados tipos de deficiência? Como o curso Voe para o Plus atua nesse sentido? A procura pelo curso é maior entre as mães, ou os pais também vêm se interessando cada vez mais pela área?
KEROL: Sim, falamos para mães e pais de crianças com qualquer tipo de comprometimento, limitação ou atraso em seu desenvolvimento. Independente do diagnóstico, os desafios da mãe e do pai são similares em muitos aspectos. Nosso conteúdo não é terapêutico. Nosso foco é na pessoa do pai e/ou da mãe e na família, pois acreditamos que o adulto que cuida da criança também precisa ser cuidado. Abordamos os impactos que alguma deficiência (qualquer uma) pode trazer aos pais, em termos emocionais e também práticos, e mostramos como tudo isso pode ser transformado numa realidade muito mais positiva do que era a vida da pessoa antes de ter filhos. Acreditamos muito nisso e sabemos que é possível. No link a seguir disponibilizamos mais informações: www.materpaterplus.com.br/voeparaoplus
FABIO: Temos contato com pais e mães dos mais variados tipos de deficiência, inclusive de síndromes muito raras.
No curso, abordamos assuntos comuns a todos, independentemente do diagnóstico. São quatro módulos que tratam sobre o acolhimento da criança, o mindset que permite ver a nova mater/paternidade com otimismo e alegria, cuidados consigo mesmo, gestão do tempo, a importância de realizar sonhos de vida e projetos pessoais, estratégias para educar a criança com desenvolvimento atípico e como desenvolver uma relação saudável e prazerosa com familiares e amigos. Também oferecemos um bônus sobre finanças no contexto da mater/paternidade atípica, pois há muitos custos com medicamentos, terapias, consultas, exames, etc, e isso impacta o orçamento das famílias.
A procura do Programa Online por parte das mães ainda é maior, mas temos pais bem engajados tanto na nossa audiência quanto no curso.
ADAP: De que maneira vocês conseguem conciliar a execução dos projetos on-line com a vida profissional e familiar, as terapias do seu primeiro filho e também a criação das outras crianças? Vocês têm dicas para dar a outras mães e pais que passam por este mesmo desafio de uma rotina multitarefada?
KEROL: Tivemos de aprender a gerir o nosso tempo para administrar nossas responsabilidades. Hoje fazemos muito mais coisas do que antes de termos filhos. Não se trata de mágica, mas de saber administrar melhor o tempo e – principalmente – eleger prioridades. Também precisamos aprender a ter paciência com um ritmo diferente na vida. Nosso trabalho segue o ritmo da nossa rotina, ou seja, respeita o fato de termos três crianças pequenas sob nossa responsabilidade e um quadro de terapias com doze sessões por semana. Acreditamos que uma boa gestão de tempo é algo tão importante que abordamos este assunto com detalhes no curso.
FABIO: Para ser sincero, acredito que, se não fosse on-line, não daríamos conta. A flexibilidade que a internet proporciona é essencial para conciliar vida profissional e família, especialmente se você tem três ou mais filhos pequenos, mais ainda se algum deles tem uma intensa rotina que engloba 12 sessões de reabilitação por semana! Além disso, constantemente estudamos e aplicamos técnicas de gestão do tempo. Minha dica é, estude estas técnicas, aplique na sua vida, tenha paciência quando parece que não funcionam para você e continue tentando. Você será recompensado com a capacidade de realizar ações impossíveis, hehe.
* Crédito das fotografias: arquivo pessoal dos entrevistados.
Entrevista por Ana Raquel Périco Mangili.
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